“Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem ao vosso Pai que está nos céus”. Mt 5.16
Introdução
Vivemos no século das aparências. Em épocas assim, o grande desafio é manter uma espiritualidade da intimidade. Estamos vivendo um angustiante dilema: viver pela Palavra numa sociedade da imagem. Nessa geração do exterior, a distância entre a ética e a estética é muito tênue. Muitos sacrificam sua intimidade em busca da afirmação da massa popular, dos aplausos, das multidões. Essa religiosidade da superficialidade tem feito raízes secarem. Richard Foster escreveu: “A superficialidade é a maldição de nosso tempo”. Em nome dessa superficialidade, muitos morrem asfixiados sem a atmosfera da profundidade. O mesmo Richard Foster afirmou: “Na sociedade contemporânea, o nosso adversário se especializa em três coisas: ruído, pressa e multidões”.
APRENDENDO COM AS BEM ABENTURANÇAS.
O texto de Mateus 5.1-12 trata das “bem-aventuranças” (do grego: makarismós – “felicidade”, ou “felizes”). Elas constituem a base de uma espiritualidade interior plena. São grandiosas promessas de Jesus aos que decidirem servi-lo. Essas bem-aventuranças formam uma abençoada unidade. Assim como o fruto do Espírito (G1 5.22,23), apesar de composto (nove graças), ser único, as bem-aventuranças também seguem essa lógica divina. São distintas, porém unas. Cada uma delas descreve uma qualidade da espiritualidade interior com reflexos na exterioridade. Desenvolver uma ou outra, sem a completude, nos coloca em um perigoso desequilíbrio.a) Um chamado para andar na direção oposta – Jesus pronuncia as bem-aventuranças para um povo que acalentava um sentimento de vingança contra Roma. Curiosamente, o Mestre propõe uma inversão: Ele chama essas bem-aventuranças de “felicidade dos infelizes”. O escritor Walter Kasper afirma que “os escritos sapienciais gregos e judaicos declaram bendito o homem que tem filhos obedientes, uma boa esposa, amigos fiéis, sucesso e assim por diante. Jesus, entretanto, fez uma interpretação contrária”. Ele chama de felizes os que, do ponto de vista do povo e da sapiência grega e judaica, eram infelizes. Jesus chama de felizes aqueles que, na exterioridade, não podem ser vistos como felizes. Mas, em sua interioridade são os mais felizes da face da terra.
b) A alegria de uma história pessoal digna de louvor – No versículo 12, Jesus diz: “Regozijai-vos e alegrai-vos, porque grande é o vosso galardão nos céus, pois assim perseguiram aos profetas que foram antes de vós”. Jesus mostra aos discípulos a alegria que encara a história e afirma a segurança em Deus. Depois de mostrar aos discípulos circunstâncias dolorosas e promessas grandiosas, o Mestre os convida à alegria, ao gozo de uma história pessoal digna de louvor. Ele afirma que os que vivem esse contexto existencial das bem-aventuranças, desfrutam do legado dos profetas, tornam-se ecos históricos de vidas que amavam a Deus.
SERMÃO DO MONTE E A INTERIORIDADE
O Sermão do Monte é um discurso inigualável proferido por Jesus num lugar elevado para o norte e oeste do mar da Galiléia (Mt. 5-7). Ele trabalha com rara profundidade a questão da transformação do caráter, da revolução da interioridade. Originalmente, caráter significava “gravação”. O ato de gravar, deixar marcas, sinais indeléveis em determinados objetos, com o intuito de distinguir uns dos outros. Mais tarde, o caráter passou a ter significado moral. Assim, o caráter de um indivíduo tem qualidades marcantes que o diferenciam dos outros. Os fariseus trabalhavam toda sua teologia com base no exterior, porém Jesus lança na interioridade, nas dimensões mais íntimas do caráter.a) Uma revolução de dentro para fora- Do ponto de vista de Jesus, o reino de Deus inicia-se por uma revolução interior, na qual o “eu” é destronado pela renúncia, a vontade própria é eliminada, e a vontade soberana de Deus, “assim como é feita nos céus” (Mt 6.10), se toma a nossa vontade, e o seu propósito sublime, se torna o grande objetivo de nossa vida, conferindo real sentido à nossa existência. Jesus apela para uma vida plena dentro da alma, do lado de dentro do ser, nos recônditos secretos de cada ser. Jesus abomina as teologias farisaicas das aparências (Mt 6.6,16; 7.1,21).
b) Fortificando a espiritualidade comunitária – A espiritualidade do secreto nos habilita para o exercício de uma espiritualidade verdadeira em público, sem o artifício das máscaras, mas com originalidade, autenticidade. Uma advertência precisa ser feita: se buscamos os lugares públicos porque não suportamos o quarto solitário, vamos permanecer solitários nos lugares públicos. Embora a espiritualidade do secreto seja excelente, carecemos da comunhão. A espiritualidade que não conduz à comunhão transforma o lugar secreto no lugar da morte.
c) Uma nova forma de viver – o Sermão do Monte nos convoca a unir em nossa experiência existencial a justiça que se manifestou no Sinai, temperada pela misericórdia que brilhou no Calvário. A purificação abrange a vida toda. Passamos a viver uma vida digna de ser chamada “cristã”. Vivemos abertos aos grandes sentimentos de Deus, às grandes realidades da graça. Mesmo em dias difíceis como os atuais, temos o desafio de “iluminar e salgar” (Mt 5.13-16), nos tomar os elementos diferenciadores da vida.
OS PERIGOS DA VISIBILIDADE
Charles Haddon Spurgeon, considerado “o príncipe dos pregadores”, em um sermão sobre a “figueira infrutífera” (Mt 21.18-22), disse que “o maior problema daquela figueira é que ela ocupava uma posição de destaque (Mt. 21.19), melhor seria para aquela figueira que tivesse nascido longe da estrada, na encosta de algum monte, mas nunca à beira do caminho, ao alcance da visão de Jesus”. A visibilidade estéril é a frustração de muitos ministérios. No Sermão do Monte, o Mestre faz questão de destruir qualquer vestígio de uma espiritualidade baseada na visibilidade.a) A síndrome do sucesso: o mal do personalismo – Muitos são os que foram infectados pelo vírus do personalismo. Gente que promove uma espiritualidade marqueteira, mercantilizada, que vende a alma no banco diabólico do lucro. George MacDonald escreveu: “o homem falhará desgraçadamente em qualquer coisa que faça sem Deus, ou, mais desgraçadamente ainda, terá sucesso”.
b) A multidão e o indivíduo – Jesus gastou mais tempo com indivíduos do que com multidões. Hoje, muitos vivem numa busca obsessiva pelas multidões. Fázem de tudo para que seus nomes sejam lembrados nos encontros de multidões, mas quase nunca estão nos ajuntamentos de “dois ou três” (Mt. 18.20). O problema da multidão é que ela despersonaliza. Não se pode estabelecer um relacionamento íntimo com uma multidão, conseqüentemente, não podemos confiar na multidão. A mesma multidão que recebeu Jesus, em sua entrada triunfal em Jerusalém, ao som de “Hosana” (Mt 21.9), pediu Barrabás (Mt 27.20-25).
c) A guerra dos egos – O escritor clássico C. S. Lewis dizia que “o egoísmo é o estado mental completamente anti-Deus”. Uma interioridade transformada é aquela em que o ego é redimido, onde podemos viver a segurança da humildade. Muitos, em nome do ego, perdem sua paz de espírito, negociam sua integridade. Em nome do ego, um querubim virou demônio, igrejas promissoras perderam seu testemunho histórico. Púlpito não é palco, igreja não é mercado nem teatro. A verdadeira espiritualidade subjuga o ego lavando-o sempre no sangue do Cordeiro. Quando nosso ego é destronado, a graça flui, e quando as portas perigosas do ego se fecham, as maravilhosas portas da eternidade se abrem.
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