367
A carta de Atanásio reconhece o canon do Novo Testamento
Como o cristão poderia ter certeza
dos livros que deveriam constar do Novo Testamento?
Quando Paulo mencionou as Escrituras
a Timóteo ("Toda a Escritura é inspirada..."; 2Tm 3.16), ele estava
se referindo ao at, mas, mesmo nas
páginas do NT, temos indicações de que os cristãos começaram a considerar os
evangelhos e as epístolas de Paulo como textos especiais. Ao escrever sobre as
epístolas de Paulo, Pedro disse que elas às vezes continham "algumas
coisas difíceis de entender". Todavia, a sabedoria de Paulo fora dada por
Deus, e Pedro repreendeu "os ignorantes e instáveis" que distorciam
as palavras de Paulo, fazendo o mesmo com "as demais Escrituras"
(2Pe 3.16; grifo do autor). Ε óbvio que Pedro começava a perceber que os
cristãos tinham alguns textos edificantes além das obras do at.
Os judeus decidiram que alguns livros
— os que chamamos hoje de Antigo Testamento — foram claramente inspirados por
Deus, ao passo que outros não o eram. Por enfrentar heresias, os cristãos
também começaram a sentir a necessidade de distinguir entre escritos
verdadeiramente inspirados e os de origem questionável.
Havia dois critérios fundamentais,
usados pela igreja para identificar o cânon (kanon é a palavra grega
para "padrão"): a origem apostólica e o uso dos textos nas
igrejas.
Com relação à origem apostólica, a
igreja incluiu Paulo entre os apóstolos. Embora não tenha caminhado com Cristo,
Paulo se encontrou com ele na estrada para Damasco. A abrangência de sua
atividade missionária — relatada no livro de Atos dos Apóstolos — fez dele o
próprio modelo do apóstolo.
Cada evangelho precisava estar
relacionado a um apóstolo. Desse modo, o evangelho de Marcos, associado a
Pedro, e o de Lucas, relacionado a Paulo, receberam um lugar no cânon. Depois
da morte dos apóstolos, os cristãos valorizaram o testemunho dos livros, muito
embora não portassem o nome de um apóstolo como autor.
Com relação ao uso dos textos nas
igrejas, a orientação parecia ser a seguinte: "Se muitas igrejas usam um
texto, e se ele continua a edificá-las, logo esse texto deve ser
inspirado".
Embora esse padrão mostre uma
abordagem bastante pragmática, existe uma lógica por trás dele: alguma coisa
inspirada por Deus, sem dúvida, inspirará muitos adoradores. O texto que não
foi inspirado acabaria, mais cedo ou mais tarde, por cair em desuso.
Infelizmente, esses padrões somente
não eram capazes de estabelecer quais seriam os livros do cânon. Diversos
textos flagrantemente heréticos carregavam o nome de um apóstolo. Além disso,
algumas igrejas utilizavam textos que outras não se preocupavam em usar.
Por volta do final do século II, os
quatro evangelhos, o livro de Atos e as epístolas de Paulo eram grandemente
valorizadas em quase todos os lugares. Embora não existisse ne nhuma lista
"oficial", as igrejas tinham a tendência crescente de se voltar para
esse material como fonte de autoridade espiritual. Bispos influentes como
Inácio, Clemente de Roma e Policarpo contribuíram para que esses textos
alcançassem ampla aceitação. Contudo, ainda havia muita disputa com relação a
He-breus, Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 João, Judas e Apocalipse.
A heresia era uma maneira de fazer
com que os cristãos ortodoxos esclarecessem suas posições. Até onde sabemos, a
primeira tentativa de elaboração do cânon foi feita por Mar-cião, que incluiu
apenas dez das treze epístolas de Paulo e o evangelho de Lucas bastante
modificado. Mais tarde, outros grupos heréticos defenderiam seus "livros
secretos", normalmente os que tinham o nome de um apóstolo ligado a eles.
Uma lista ortodoxa primitiva,
compilada por volta do ano 200, foi o Cânon muratório, elaborado pela
igreja de Roma. Ele incluía a maioria dos livros presentes hoje no Novo
Testamento, mas adicionava o Apocalipse de Pedro e a Sabedoria de
Salomão. Listas posteriores omitiram alguns livros, e deixaram outros, mas
continuavam sendo bastante similares. Obras como O pastor, de Hermas, o Didaquê
e a Epístola de Barnabé eram muito consideradas, embora as pessoas
tivessem dificuldade em considerá-las escritura inspirada.
Em 367, Atanásio, o bispo de
Alexandria, influente e altamente ortodoxo, escreveu sua famosa carta oriental.
Nesse documento, enumerava os 27 livros que hoje fazem parte do nosso Novo
Testamento. Na esperança de impedir que seu rebanho caminhasse rumo ao erro,
Atanásio afirmou que nenhum outro livro poderia ser considerado escritura
cristã, embora admitisse que alguns, como o Didaquê, pudessem ser úteis
para devoções particulares.
A lista de Atanásio não encerrou esse
assunto. Em 397, o Concilio de Cartago confirmou sua lista, mas as igrejas
ocidentais demoraram muito para estabelecer o cânon. A contenda continuou com
relação aos livros questionáveis, embora todos terminassem aceitando o
Apocalipse.
No final, a lista de Atanásio recebeu
aceitação geral e, desde então, as igrejas por todo o mundo jamais se desviaram
de sua sabedoria.
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