A História de Israel no Debate Atual
Este
artigo foi publicado, de forma mais resumida, em Cadernos de Teologia n. 9
(maio de 2001),
Campinas: FTCR da PUC-Campinas, p. 42-64. Acréscimos ao texto são feitos
sempre que surgem novidades.
ABSTRACT
This article surveys some perspectives in the current research of the "History of Israel", the challenges that this poses, and proposes some trajectories for those researching this subject. The scholarly consensus that existed up until the middle seventies of the twentieth century was shattered. The rationalistic paraphrase of the biblical text that constituted the core of the handbooks of the "History of Israel" is no longer acceptable to most scholars. An increasing number of scholars question the use of the biblical text as a source for the “History of Israel”. The implementation of modern literary criticism on the biblical text requires a moving away from issues of historicity, and this allows the "biblical" stories to be evaluated primarily from a literary perspective. The writing of a "History of Israel" using only the archaeological context and non-biblical writings is a controversial undertaking, however, an increasing number of scholars are attempting to do this. It appears a revisionist “History of Syria/Palestine" will compete against the traditional "History of Israel" as scholars from both sides continue their research.
This article surveys some perspectives in the current research of the "History of Israel", the challenges that this poses, and proposes some trajectories for those researching this subject. The scholarly consensus that existed up until the middle seventies of the twentieth century was shattered. The rationalistic paraphrase of the biblical text that constituted the core of the handbooks of the "History of Israel" is no longer acceptable to most scholars. An increasing number of scholars question the use of the biblical text as a source for the “History of Israel”. The implementation of modern literary criticism on the biblical text requires a moving away from issues of historicity, and this allows the "biblical" stories to be evaluated primarily from a literary perspective. The writing of a "History of Israel" using only the archaeological context and non-biblical writings is a controversial undertaking, however, an increasing number of scholars are attempting to do this. It appears a revisionist “History of Syria/Palestine" will compete against the traditional "History of Israel" as scholars from both sides continue their research.
Até meados da década de 70 do século
XX, havia um razoável consenso na História de Israel. Entre outras coisas, o
consenso dizia que a Bíblia Hebraica era guia confiável para a reconstrução
da história do antigo Israel. Dos Patriarcas a Esdras, tudo era histórico. Se
algum dado arqueológico não combinava com o texto bíblico, arranjava-se uma
interpretação diferente que o acomodasse ao testemunho dos textos, como no
caso da destruição das (inexistentes) muralhas de Jericó pelo grupo de Josué[1].
Exemplos?
Os
patriarcas eram personagens históricos, o que podia ser comprovado pelos
textos mesopotâmicos de Nuzi, do século XIV a.C., em seus muitos paralelos, de
estruturas sócio-econômicas a tradições legais, com Gn 12-35. E a migração
dos amoritas, que ocuparam a Mesopotâmia e a Palestina no final do terceiro milênio
a.C., criava as condições ideais para a entrada dos patriarcas na região da
Palestina e explicava seus nomes, sua língua e sua religião.
José
era personagem historicamente possível, pois havia grande quantidade de evidências
egípcias que testemunhava os costumes contados em Gn 37-50. Semitas poderiam
ter chegado a altos postos de governo no Egito, incluindo o de grão-vizir,
especialmente durante o governo dos invasores asiáticos hicsos.
A
escravidão dos hebreus no Egito e o êxodo não podiam ser
questionados, pois textos egípcios testemunham que Ramsés II utilizou hapirus
(= hebreus) na construção de fortalezas no delta do Nilo em regime de trabalho
forçado. A Estela de Merneptah, faraó sucessor de Ramsés II, comprova a existência
de israelitas na terra de Canaã na segunda metade do século XIII a.C., o que nos permitia
fixar a data do êxodo aí por volta de 1250 a.C.A conquista da Palestina pelas 12 tribos israelitas sob o comando de Josué, como narrada no livro que leva o seu nome, contava com testemunhos arqueológicos respeitáveis, como a destruição de importantes cidades cananéias na segunda metade do século XIII a.C., embora muitos autores preferissem explicar a entrada na terra de Canaã de outro modo, como pacífica e progressiva infiltração de seminômades pastores a partir da Transjordânia.
A construção e a consolidação do poderoso império davídico-salomônico eram consideradas como pontos fixos e imutáveis na historiografia israelita, constituindo marco seguro para qualquer manual de História de Israel ou de Introdução à Bíblia quanto às datas dos acontecimentos e às realizações da sociedade israelita.
Os reinos separados de Israel e Judá, após a morte de Salomão, eram bem testemunhados pelos textos assírios e babilônicos, e até pela Estela de Mesha, rei do vizinho país de Moab, sendo tudo, por sua vez, muito bem detalhado nos livros dos Reis, parte da confiável Obra Histórica Deuteronomista.
O exílio babilônico e a volta e reconstrução de Jerusalém durante a época persa, marcando o nascimento do judaísmo baseado no Templo e na Lei que passa a ser lida sistematicamente nas sinagogas, constituíam matéria real e sem maiores problemas, graças à confiabilidade dos textos bíblicos que detalhavam os acontecimentos desta época.
O melhor livro para detalhada exposição e defesa deste consenso é o de John Bright, História de Israel, São Paulo, Paulus, 1978, traduzido da segunda edição inglesa de 1972. Bright pertence à escola americana de historiografia de W. F. Albright e esta sua ‘História de Israel’ foi o manual mais utilizado por nós nos anos 70 e 80 do século passado.
John
Bright e sua História de Israel
John
Bright lançou uma 3a edição de sua História de Israel em
1981. Poucas mudanças foram feitas. O autor atualizou o livro quanto a algumas
descobertas arqueológicas e mostrou-se mais prudente nas afirmações sobre a
historicidade de certos acontecimentos e personagens bíblicos. Mas manteve,
basicamente, as posições da 2a edição. Diz o autor, no Prefácio
da 3a edição, que, em muitos pontos onde anteriormente havia certo
consenso, hoje há um verdadeiro caos de opiniões conflitantes. E
cita, como exemplo, a questão das origens de Israel e a data e a historicidade
dos patriarcas.
Cf.
BRIGHT, J., A History of Israel,
Philadelphia, Westminster Press, 1981. Uma
4a edição do livro foi lançada, após a sua morte em 1995, com uma Introdução
e um Apêndice de William P. Brown, no ano 2000, pela Westminster
John Knox Press. A tradução
brasileira desta 4a edição
foi publicada pela Paulus no final de
2003, como a 7a edição, revista e ampliada a partir da 4a
edição original. Bright foi, até a sua morte, Professor de Hebraico e de
Interpretação do Antigo Testamento no Union Theological Seminary, Richmond,
Virginia, USA. Uma resenha da 'História de Israel' de Bright, focalizando
especialmente a 4a edição, feita por Ludovico Garmus, pode ser lida
na revista Estudos Bíblicos n. 69, Petrópolis, Vozes, 2001, pp. 90-93.
É
preciso lembrar, porém, que a historiografia alemã, desde W. de Wette, em
1806-7, passando por Julius
Wellhausen, em 1894, até Martin Noth, em 1950, não
participava integralmente deste consenso, negando, por exemplo, a historicidade
dos patriarcas.
Mas,
a ‘História de Israel’ está mudando. O consenso foi rompido. A paráfrase
racionalista do texto bíblico que constituía a base dos manuais de ‘História
de Israel’ não é mais aceita. A seqüência patriarcas, José do Egito, escravidão, êxodo, conquista da terra,
confederação tribal, império davídico-salomônico, divisão entre norte e
sul, exílio e volta para a terra está despedaçada.
O
uso dos textos bíblicos como fonte para a ‘História de Israel’ é
questionado por muitos. A arqueologia ampliou suas perspectivas e falar de
‘arqueologia bíblica’ hoje é proibido: existe uma ‘arqueologia da
Palestina’, ou uma ‘arqueologia da Síria/Palestina’ ou mesmo uma
‘arqueologia do Levante’.
O
uso de métodos literários sofisticados para explicar os textos bíblicos,
afasta-nos cada vez mais do gênero histórico, e as ‘estórias bíblicas’ são abordadas
com outros
olhares. A ‘tradição’ herdada dos antepassados e transmitida oralmente até
à época da escrita dos textos freqüentemente não consegue provar sua existência.
A
construção de uma ‘História de Israel’ feita somente a partir da
arqueologia e dos testemunhos escritos extrabíblicos é uma proposta cada vez
mais tentadora. Uma ‘História de Israel’, que dispense o pressuposto teológico
de Israel como ‘povo escolhido’ ou ‘povo de Deus’ que sempre a
sustentou. Uma ‘História de Israel e dos Povos Vizinhos’, melhor, uma
‘História da Síria/Palestina’ ou uma ‘História do Levante’ parece
ser o programa para os próximos anos.
E há
pesquisadores de renome na área, como Rolf Rendtorff, exegeta alemão,
professor emérito da Universidade de Heidelberg, que
já em 1993 afirmava em artigo na revista Biblical Interpretation 1, p.
34-53, que os problemas da interpretação do Pentateuco estão intimamente
ligados aos problemas mais amplos da reconstrução da história de Israel e da
história de sua religião.
Este
artigo quer traçar um panorama destas mudanças pelas quais vem passando a ‘História de Israel’
nos
últimos trinta e tantos anos, apontar as dificuldades que a crise vem criando e
propor algumas pistas de leitura para os interessados no assunto.
1. Patriarcas? Que Patriarcas?
Em
1967, o norte-americano Thomas L. Thompson começou sua tese de doutorado na
Universidade de Tübingen, na Alemanha. O tema: as narrativas patriarcais. Sua
idéia fundamental: se algumas das narrativas sobre os patriarcas hebreus
estavam se referindo historicamente ao segundo milênio a.C., como quase todos
os arqueólogos e historiadores acreditavam naquela época, então Thompson
poderia distinguir nelas as mais antigas histórias bíblicas da tradição
posterior mais ampliada[2].
Quando
Thompson começou seu trabalho, ele estava tão convencido da historicidade das
narrativas sobre os patriarcas no Gênesis, que aceitou, sem questionar, os
paralelos feitos entre os costumes patriarcais e os contratos familiares
encontrados na cidade de Nuzi, no norte da Mesopotâmia, e datados da época do
Bronze Recente (ca. 1500-1200 a.C.)[3].Dois anos mais tarde, porém, em 1969, Thompson percebeu que os costumes familiares de Nuzi e as leis sobre propriedades não eram exclusivos nem de Nuzi, nem do segundo milênio, mas, mais provavelmente, refletiam práticas típicas do primeiro milênio a.C. Isto quebrava o paralelismo feito pelos autores entre Nuzi e o mundo patriarcal e tirava a garantia de que os costumes patriarcais refletiam práticas do segundo milênio.
Nuzi
e os Patriarcas
Um
bom exemplo desse paralelismo pode ser lido no comentário de SPEISER, E. A., Genesis,
Garden City, New York, Doubleday, 1964,
na clássica coleção The Anchor Bible, no qual o autor discute cerca de
20 coincidências entre os costumes patriarcais e os costumes de Nuzi, como os
casos da esposa-irmã Sara (Gn 12,10-20 e paralelos), a adoção de um
estrangeiro, Eliezer, como herdeiro (Gn 15,2), a mãe de aluguel como Agar (Gn
16,1-6).
Estes
e outros exemplos podem ser mais facilmente vistos em VOGELS, W., Abraão e
sua Lenda. Gênesis 12,1-25,11, São Paulo, Loyola, 2000, pp. 38-45.
Além do mais, examinando a hipótese amorita, segundo a qual teria havido grande migração de nômades vindos das fronteiras do deserto siro-arábico para a Mesopotâmia e para a Síria-Palestina no final do terceiro milênio, Thompson percebeu que não havia prova alguma para tal pressuposto, pois o que se descobriu nos últimos anos é que os amoritas são sedentários do norte da Mesopotâmia, vivendo da agricultura e da criação de gado. Isto é testemunhado pelas centenas de
Thompson passou, então, a defender que as narrativas
patriarcais estavam refletindo muito mais o primeiro do que o segundo milênio,
e a datação tradicional dos patriarcas e sua historicidade caíram por terra.
O resultado foi academicamente desastroso. Thompson, que terminou a
pesquisa em 1971, não pôde defender sua tese na Europa nem publicar seu livro
nos Estados Unidos. O livro só foi
publicado em 1974 e Thompson conseguiu seu PhD na
Temple University, Philadelphia, Estados
Unidos, em 1976[4].
John
Van Seters, de quem falaremos mais detalhadamente no próximo item a propósito
do Javista, pesquisando a historicidade dos patriarcas, independente de Thomas
L. Thompson, chegou a conclusões semelhantes, não atribuindo qualquer valor
histórico às estórias sobre Abraão.
Em
1987 Thomas L. Thompson começou a trabalhar a questão das origens de Israel,
retomando a argumentação publicada em um artigo de 1978, sob o título de “O
Background dos Patriarcas”, no Journal
for the Study of the Old Testament, da editora Sheffield, Reino Unido.
Neste artigo, Thompson localizava as origens de um
Israel histórico na região montanhosa ao norte de Jerusalém durante o século
IX a.C. Isto implicava a exclusão
de qualquer unidade política de Israel que abrangesse toda a Palestina, ou
seja, não podia ter existido uma ‘Monarquia Unida’ sob Saul, Davi e Salomão
em Jerusalém, no século X a.C.
O
artigo de T. L. Thompson foi relançado em livro:
The Background of the Patriarchs: A Reply to William Dever and Malcolm Clark,
em ROGERSON, J. W. The Pentateuch. A Sheffield Reader.
Sheffield:
Sheffield Academic Press, 1996, p. 33-74.
O
estudo completo resultou no livro Early History
of the
Israelite People from the
Written and Archaeological Sources
[Antiga História do Povo Israelita a partir de Fontes Escritas e Arqueológicas],
Leiden, Brill, 1992 [19942].
Diz Thompson que a reação a este livro
foi pior do que à tese sobre os patriarcas, levando ao afastamento do
autor da Marquette University, nos Estados Unidos, onde trabalhava.
Mas,
em 1993, Thompson foi convidado para trabalhar no Departamento de Estudos Bíblicos
da Universidade de Copenhague, onde até hoje se encontra, e onde encontrou um
grupo com idéias avançadas sobre a ‘História de Israel’, os hoje chamados
‘minimalistas’.
Um
relato dos conflitos e debates que envolveram a escrita e publicação da tese
de Thompson foi feito por ele no artigo On the Problem of Critical Scholarship: A Memoire,
publicado em abril de 2011
pela revista online The Bible and Interpretation.
2. Van Seters Reinventa o Javista
Ainda em 1964, o canadense John Van Seters
aceita o desafio de um seu professor e começa a revisão da ‘Hipótese
Documentária’ do Pentateuco, examinando as tradições sobre Abraão.
A
‘Hipótese Documentária’ afirmava, desde o século XIX, que o Pentateuco
era composto pelas fontes JEDP – Javista, Eloísta, Deuteronômio e
Sacerdotal, elaboradas desde o século
X a.C. na corte davídico-salomônica até
o século V a.C., com Esdras, na Jerusalém pós-exílica.
F. V. Winnet, professor de Van Seters, em conferência
feita em 1964, levantou uma série de dúvidas sobre os fundamentos da Hipótese
Documentária. Winnet não aceitava a fonte E como um documento independente.
Quando muito, admitia o pesquisador, ela poderia ser uma revisão de mais antiga
tradição patriarcal e não poderia ser encontrada no Êxodo e Números. Isto
porque o desenvolvimento literário do Gênesis teria ocorrido de modo
independente de Êxodo e Números até o estágio final da composição do
Pentateuco, quando então foram organizados e combinados pelo Sacerdotal (P).
Assim, duas diferentes fontes deveriam ser vistas dentro do material J do
Gênesis: uma mais antiga e outra da época do exílio. Com um detalhe: estas
fontes não seriam documentos independentes, mas complementos de outras mais
antigas. O mesmo deveria ser dito do P.
Embora a proposta de Winnet não tenha causado
repercussão, Van Seters, examinando as tradições sobre Abraão, como
dissemos, percebeu que episódios paralelos – como a história de Sara “irmã”
de Abraão em Gn 12,10-20;20,1-18;26,1-11 – não são documentos independentes
agrupados por redatores, mas sua relação é de complementação: Gn 12,1-20
corresponde ao J mais antigo de Winnet, Gn 20, 1-18 ao complemento E e Gn
26,1-11 ao J mais recente da proposta do professor.
Van Seters concluiu também que o material atribuído
ao J mais antigo era muito pequeno, que o E consistia de uma única estória e
que todo o material não-P pertencia ao javista mais recente.
Percebendo
igualmente a forte afinidade do J com o Dêutero-Isaías, e também que a forma
da promessa da terra no J era um desenvolvimento posterior daquela encontrada no
Deuteronômio e na tradição deuteronomista, Van Seters concluiu que o J
deveria ser visto como um autor pós-D, e que
a ‘Hipótese Documentária’ deveria ser totalmente revista. Van Seters
publicou sua pesquisa em 1975.Estas conclusões podem ser lidas em VAN SETERS, J., Abraham in History and Tradition, New Haven, Yale University Press, 1975. E também em VAN SETERS, J., The Pentateuch. A Social-Science Commentary, Sheffield, Sheffield Academic Press, 1999, pp. 59-60.
Em
1976 e em 1977 apareceram os livros de Hans Heinrich Schmid e de Rolf Rendtorff
sobre o mesmo assunto. A crise do Pentateuco explodiu, então, em plena luz do
dia e ninguém mais podia escapar da constatação de que a teoria clássica das
fontes do Pentateuco, pelo menos em sua forma mais rígida, era insustentável.
H.
H. Schmid, em 1976, contestou
a tese de G. Von Rad de um ‘Iluminismo Salomônico’, do qual não se
percebia nenhum sinal, como o ambiente no qual o javista teria nascido.
Examinando uma série de textos amplamente aceitos como javistas, Schmid
procurou mostrar que o J dependia fortemente da tradição profética e estava
muito próximo da escola deuteronômica. A conclusão a que se chegou foi de que
o Pentateuco era o produto do movimento profético, assim como o era o livro do
Deuteronômio, e de que o J deveria ser visto em estreita associação com a
escola deuteronômica nos últimos anos da monarquia ou na época do exílio.
Embora
não tenha discutido a datação do J em relação ao D, seu discípulo Martin
Rose, em 1981, chegou à conclusão de que o Deuteronômio e a Obra
Histórica Deuteronomista eram anteriores ao javista.Rolf Rendtorff, por sua vez, em 1977, retomando a idéia de M. Noth da formação do Pentateuco a partir de temas independentes, chega à conclusão de que tal independência não deve ser limitada ao período pré-literário, mas o alcança. Rendtorff não vê nenhuma conexão original entre Gênesis e Êxodo-Números, mas sim uma posterior costura deuteronomista ligando estas tradições. Donde se conclui que a idéia de fontes, tal como a J, deve ser abandonada, e que o desenvolvimento dos temas é que deve ser enfocado. Ele defende que cada unidade maior teve seu próprio processo de redação antes de ser colocada em contato com outras unidades. Seu aluno Ehard Blum, mais tarde, confirma as intuições de seu mestre estudando as tradições patriarcais de Gn 12-50.
O
Questionamento do Consenso Wellhauseniano em Alemão
Os
estudos destes pesquisadores resultaram nas seguintes obras: SCHMID,
H. H., Der sogenannte Jahwist,
Zürich, Theologischer Verlag, 1976; ROSE,
M., Deuteronomist und Jahwist. Untersuchungen zu den Berührungspunkten beider
Literaturwerke, Zürich, Theologischer Verlag, 1981; RENDTORFF,
R., Das überlieferungsgeschichtliche Problem des Pentateuch, Berlin,
Walter de Gruyter, 1977 (tradução inglesa: The Problem of the Process of
Transmission in the Pentateuch, Sheffield, Sheffield Academic Press, 1990); BLUM,
E., Die Komposition der Vätergeschichte, Neukirchen-Vluyn, Neukirchener
Verlag, 1984; Studien zur Komposition des Pentateuch, Berlin, Walter de
Gruyter, 1990.
Uma
exposição do pensamento destes
autores pode ser vista, em português,
em DE PURY, A. (org.), O Pentateuco em questão. As
origens e a composição dos cinco primeiros livros da Bíblia à luz das
pesquisas recentes,
2. ed., Petrópolis, Vozes, 2002, pp. 63-70.
Van Seters estendeu seu estudo sobre o J a todo o Tetrateuco e defendeu,
em livros publicados em 1992 e 1994, que o Javista compõe uma obra unificada
que vai da criação do mundo até a morte de Moisés. O J faz o trabalho de um
historiador - semelhante ao trabalho do historiador grego Heródoto - no qual
ele se baseia em fontes orais e escritas, dando-lhe, porém um significado teológico
próprio.
O
objetivo da obra do J é o de corrigir o nacionalismo e o ritualismo da Obra
Histórica Deuteronomista, da qual ela é uma espécie de introdução. Por
isso, o Javista é posterior ao Deuteronômio e à Obra Histórica
Deuteronomista (Deuteronômio, Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel e 1 e 2 Reis),
sendo contemporâneo do Dêutero-Isaías e tendo afinidades com Jeremias e com
Ezequiel. Mas é anterior ao Sacerdotal (P), que, por sua vez, não é uma obra
independente, mas uma série de suplementos pós-exílicos ao D+J. O Eloísta
(E) não se sustenta como documento independente e desaparece.
Van
Seters conclui: “Deste modo, eu procuro resolver o problema existente entre os
argumentos de Noth a favor de um Tetrateuco separado do D/OHDtr e a insistência
de Von Rad em um Hexateuco, com Josué como o objetivo das promessas
patriarcais. Já que o J era posterior ao D/OHDtr, ele ligou as duas grandes
obras e acrescentou sua própria conclusão final ao Hexateuco através do
segundo discurso de Josué em Js 24" [5].
Só
para entendermos por onde pode caminhar a discussão atual, cito aqui a proposta
do arqueólogo Israel Finkelstein e do
historiador Neil Asher Silberman, no livro The
Bible Unearthed. Archaeology's New Vision of Ancient Israel and the Origin of
Its Sacred Texts, New York, The Free Press, 2001, sustentando
que a arqueologia hoje dá suporte à hipótese de que tanto o Pentateuco quanto
a Obra Histórica Deuteronomista foram escritos no século sétimo a.C.
Os
autores defendem que boa parte do Pentateuco é uma criação da monarquia da
época de Josias, elaborada para defender a ideologia e as necessidades do reino
de Judá. E que a Obra Histórica Deuteronomista foi igualmente compilada, em
sua maior parte, no tempo do rei Josias, para fornecer suporte ideológico para
sua reforma política e religiosa.
E
a Crise do Pentateuco Continua...
GERTZ,
J. C., SCHMID, K. & WITTE, M. (eds.), Abschied vom Jahwisten: Die
Komposition des Hexateuch in der jüngsten Diskussion, Berlin, Walter
de Gruyter, 2002, XII + 345 pp.: esta obra mostra como a crise do
Pentateuco continua e como um possível consenso parece ainda distante.
Contribuem, neste volume escrito em alemão e inglês, Jean Louis Ska, Albert de
Pury, Joseph Blenkinsopp, Jan Christian Gertz, Konrad Schmid, Erhard Blum,
Hans-Christoph Schmitt, Thomas Dozeman, Uwe Becker, Markus Witte, Graeme Auld, William
Johnstone, Ernst Axel Knauf, Thomas Römer, Reinhard Gregor Kratz... Só gente do
ramo, proveniente da Europa, Estados Unidos e Israel! E, como
observa Robert Gnuse, em resenha do livro na CBQ 65/4, de outubro
de
2003, p. 656, os autores concordam em rejeitar a fonte javista e sugerem
que a
coerência das narrativas do Pentateuco somente foi alcançada no
pós-exílio
com o D e o P. Para além disso, ninguém concorda com ninguém... Cada um
constrói
seu próprio paradigma, cada um mais sugestivo do que o outro. E comenta
Gnuse
que os ensaios tipificam a natureza variada e caótica da pesquisa do
Pentateuco, no contexto do abandono da teoria das quatro fontes. Leia
também artigo
de 2006 de Rolf Rendtorff, onde o pesquisador se pergunta: O que
aconteceu com o Javista na atual pesquisa do Pentateuco? E responde: ele
desapareceu e levou consigo a Hipótese Documentária do Pentateuco.
Cf. mais aqui.
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