Jerônimo completa a Vulgata
A igreja desde o início aceitou
que havia a necessidade
de traduzir a Bíblia. Embora o grego comum
do Novo Testamento fosse amplamente
compreendido em todo o Império Romano, nem todos conheciam aquela
língua, e a igreja tinha o objetivo de alcançar a todos com o Evangelho.
Surgiram as primeiras traduções em
várias línguas, especialmente para o latim (que, com o tempo, passou a ser a
língua oficial do império), o siríaco e o copta. Embora possamos destacar o
zelo dos primeiros tradutores, infelizmente nem sempre tinham bom domínio do
grego.
Dámaso foi bispo de Roma de 366 a 385. Embora o bispado
de Roma fosse tido em grande estima, ele ainda não alcançara o poder superior
ao dos outros bispados, e Dámaso gostava de poder. Ele queria libertar o
cristianismo ocidental da dominação do Oriente. Havia muito tempo, o grego era
a língua aceita pela igreja, mas Dámaso queria que a igreja do Ocidente se
tornasse claramente latina. Uma das maneiras de conseguir isso seria traduzir a Bíblia para o latim.
O secretário de Dámaso
era Euse-bius Hieronymus Sophronius, embora fosse mais conhecido na igreja por
Jerónimo. Ele foi treinado nos clássicos em latim e grego e repreendia
severamente a si mesmo por sua paixão pelos autores seculares. Para punir-se,
praticava uma vida de renúncia e retirou-se para a Síria para estudar hebraico. Jerónimo já havia se tornado
um dos maiores estudiosos na época em que começou a trabalhar para Dámaso.
Desse modo, Dámaso sugeriu que seu
secretário produzisse uma tradução latina da Bíblia, que eliminasse as
imprecisões das traduções mais antigas. Dámaso buscava a uniformidade. Assim
como já padronizara o culto de adoração das igrejas que estavam sob sua
autoridade, Dámaso queria um conjunto padronizado das Escrituras.
Jerónimo começou sua
obra em 382. Quando Dámaso morreu, em 384, Jerónimo, aparentemente, alimentava
o desejo de ocupar a posição de bispo de Roma. Em parte pela amargura de não
ter sido escolhido, e em parte pelo desejo de se livrar das distrações,
Jerónimo mudou-se de Roma para a Terra Santa, estabelecendo-se em Belém. Em
405, terminou sua tradução, que não foi sua única obra. Durante aqueles 23
anos, ele também produziu comentários e outros escritos, servindo de
conselheiro espiritual para algumas viúvas ricas e bastante devotas. Ele se
envolveu em várias batalhas teológicas de seus dias, por meio de cartas
eloqüentes — e, às vezes, bastante cáusticas — que até hoje são consideradas
muito dramáticas.
Jerónimo começou sua tradução trabalhando a partir da Septuaginta,
a versão grega do Antigo Testamento. Porém, logo estabeleceu um precedente
para todos os bons tradutores do Antigo Testamento: passou a trabalhar a partir
dos originais em hebraico. Jerónimo consultou muitos rabinos e procurava com
isso atingir um alto grau de perfeição.
Jerónimo ficou surpreso com o
fato de as Escrituras
hebraicas não incluírem os livros que chamamos hoje apócrifos. Por terem sido
incluídos na Septuaginta, Jerónimo foi compelido a incluí-los também em
sua tradução, mas deixou sua opinião bastante clara: eles eram liber ecclesiastici ("livros da igreja"),
e não liber canonici ("livros canónicos"). Embora os
apócrifos pudessem ser usados para a edificação, não poderiam ser utilizados
para estabelecer doutrina alguma. Centenas de anos mais tarde, os líderes da
Reforma dariam um passo adiante e não incluiriam esses livros na versão bíblica
protestante.
A biblioteca divina, termo pelo qual
Jerónimo se referia à Bíblia, foi finalmente disponibilizada em uma versão
precisa e muito bem escrita, na linguagem usada comumente nas igrejas do
Ocidente. Ficou conhecida por Vulgata (do latim vulgus, "comum").
A enorme influência de Jerónimo fez com que todos os estudiosos sérios da Idade
Média tivessem grande respeito por sua tradução. Martinho Lutero, que conhecia
hebraico e grego, fez citações da Vulgata durante toda sua vida.
Pelo fato de a obra de Jerónimo ter o
selo de aprovação da igreja, outros tradutores tiveram dificuldades em
segui-lo. Até a Reforma, poucas traduções haviam sido feitas para as línguas
européias e, mesmo assim, em vez de trabalhar a partir do Novo Testamento em
grego, os tradutores se voltavam para a Vulgata.
Ironicamente, a tradução da Bíblia no
idioma que toda a igreja ocidental pudesse usar, provavelmente, fez com que a
igreja tivesse um culto de adoração e uma Bíblia que nenhum leigo podia
entender. A tradução de Jerónimo deu ao latim o ímpeto que Dámaso buscava, mas
a Vulgata se tornou tão sacrossanta que a tradução da Bíblia para outras
línguas bastante utilizadas foi proibida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário